quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Meio Ambiente e Economia Solidária: Uma Outra Realidade


Vivemos numa conjuntura social cheia de contrastes, entre riquezas e misérias, luxo e exclusão, numa sociedade em que, apesar dos avanços políticos adquiridos pelo esforço de inúmeras gerações de movimentos sociais, a desigualdade ainda é uma das características mais determinantes da estrutura econômica. Grandes desequilíbrios surgem daí, dentre estes o desemprego, as condições precárias de trabalho e a exploração que alimenta a desigualdade e a concorrência desenfreada, estimulando o individualismo inconsequente e irresponsável.
Em decorrência disto, a relação entre o ser humano e a natureza é cada vez pior, e os impactos ambientais provocados pelo estilo de vida dos seres humanos põem em risco o ecossistema como um todo.
Catadores contribuem com a limpeza urbana
A produção e má administração dos resíduos oriundos do consumo humano são alguns dos maiores problemas ambientais da atualidade. O mau aproveitamento desses resíduos produz poluição da água, da terra e do ar, gerando sérios problemas de saúde e desgaste do meio ambiente, tornando-o impróprio e nocivo para o ser humano e outros seres vivos.
A produção dos resíduos sólidos de origem doméstica, comercial, industrial e hospitalar estão entre os maiores vilões do desequilíbrio ambiental. No Brasil, 90% destes resíduos não são reaproveitados, sendo em sua maior parte despejados em lixões (que representa o que há de mais atrasado na disposição final de resíduos). Outra parte bastante considerável acaba sendo despejada sem qualquer tratamento, poluindo rios, oceanos e o solo.
Há também formas especiais de produção e emissão de resíduos, como construções e festas de grande porte. No Brasil existe uma gama muito grande de atividades festivas que geram quantidades imensas de resíduos sólidos.  A festa recordista em produção de resíduos sólidos é o carnaval, que chega a durar cinco dias e em Salvador envolve mais de dois milhões de pessoas.
Existem entretanto inúmeras iniciativas no sentido de diminuir esse impacto e direcionar corretamente os resíduos para reaproveitamento. Uma dessas ações é o projeto Ecofolia Solidária: O Trabalho Decente Preserva o Meio Ambiente, uma iniciativa do Complexo de Reciclagem da Bahia que em 2013 chegou a recolher mais de 70 toneladas de resíduos sólidos, envolvendo mais de 2675 catadores de material reciclável. Contando com a participação da Rede de Alimentação Solidária e da Rede de Costura da Bahia, o projeto teve financiamento do Governo Estadual e apoio da prefeitura de Salvador e de organizações não governamentais.
Para Joilson Santana, um dos coordenadores do Ecofolia, é importante que haja um processo de educação ambiental envolvendo toda a população e que projetos como esse se tornem políticas públicas, garantindo a redução dos impactos provocados e a emissão dos resíduos poluentes. O Ecofolia Solidária vincula políticas de reconhecimento do trabalho dos catadores e de seu papel social com preservação ambiental e economia solidária. O projeto manifesta na prática perspectivas e ações de organizações que atuam com economia solidária como forma de superação da exclusão e das desigualdades nas relações de trabalho, numa perspectiva de equilíbrio ambiental.
O desenvolvimento sustentável é um dos princípios da economia solidária, que busca estabelecer novos valores nas relações humanas interpessoais e com o meio ambiente. A perspectiva é de estabelecer bases para uma sociedade mais humana, onde haja equilíbrio nas relações de trabalho, nas decisões coletivas, nas formas de produção e na relação com a natureza. Onde a prioridade seja o bem estar coletivo, superando o individualismo e a concorrência típicos da sociedade de mercado que se estabelece a partir da desigualdade de classes, da exploração do trabalho alheio e da prioridade do lucro.
As organizações que têm como princípio a economia solidária extrapolam as necessidades materiais de sobrevivência e geração de renda, buscando se estabelecer como alternativas de desenvolvimento econômico aos padrões capitalistas a partir de práticas sociais e ambientais sustentáveis, organizadas em redes de associações e cooperativas que atuam por segmentos de produção. A reorganização do trabalho se dá a partir de estruturas horizontalizadas, com base na autogestão tanto no âmbito interno das organizações como na estruturação das redes.
A autogestão pressupõe também autonomia dos grupos, liberdade e autodeterminação, democracia direta e divisão igualitária dos recursos adquiridos; um mecanismo aparentemente complexo, mas na realidade bastante simples quando entendido como prática efetiva da igualdade, na qual as trabalhadoras e trabalhadores são proprietários e gestores da própria atividade que desempenham.
Em Salvador o pioneirismo do projeto Ecofolia Solidária: O Trabalho Decente Preserva o Meio Ambiente abre espaço para um maior reconhecimento e fortalecimento das práticas de economia solidária. O estado e o município configuram-se como parceiros importantes que reconhecem oficialmente a importância das redes de economia solidária e de seu papel na superação dos desequilíbrios sociais.
A Rede de Alimentação Solidária, uma das mais estruturadas em Salvador, já consegue desenvolver atividades de grande porte, atuando em escala industrial. Em junho de 2012, a Rede participou da Cúpula dos Povos durante a Rio +. 20, chegando a produzir dezoito mil refeições por dia. 
Estabelecer o novo a partir de resgate de tradições também é um desafio da economia solidária, que encontra referências nas práticas societárias dos povos africanos e indígenas. Para Ana Cristina Caminha, da Cooperativa Guia de Luz, “a prática de economia solidária sempre esteve presente no candomblé, embora o termo só tenha se tornado conhecido recentemente”. A Cooperativa Guia de Luz surgiu no Terreiro de candomblé Ilê Axé Obá Adenilá e iniciou suas atividades com a produção e venda de acarajé. Atualmente desenvolve atividades periódicas a exemplo da venda do feijão tradicional em festas como a Lavagem do Bonfim e a Mudança do Garcia. Ana Caminha afirma que “o projeto Ecofolia Solidária é importante também para a articulação das redes, para estabelecer novos laços, novos conhecimentos, ocupar novos espaços, fortalecer e divulgar práticas solidárias nas comunidades. Entretanto, ainda falta reconhecimento para que haja mais políticas públicas voltadas para esse tipo de organização produtiva”.
José da Boa Morte, da Secretaria de Economia Solidária da Superintendência Regional do Trabalho, acredita que “o maior entrave para as organizações que atuam com economia solidária é a concepção de sociedade assimilada pelos governos, que é de uma sociedade de classes que atua em favor da desigualdade e traz o modelo de organização do Estado, que para gerar desenvolvimento é preciso gerar trabalho assalariado no qual as pessoas vendem sua força de trabalho. Isto entra em choque com a concepção de economia solidária, que não se encontra no modelo de plasticidade importada pelo mercado. Na economia solidária o que é importante é gerar inclusão, substituindo a lógica da venda da força de trabalho por uma construção coletiva onde as pessoas produzem dentro de suas possibilidades e necessidades, sem gerar excesso para além de suas necessidades reais”.
Para Débora Rodrigues, da Organização Vida Brasil, um passo importante foi a formação do Fórum de Economia Solidária, que a Vida Brasil acompanha desde 2005. A Vida Brasil atua no sentido contribuir com a superação das dificuldades estruturais, organizacionais e interpessoais das redes. Débora atua como Coordenadora do Programa de Geração de Renda e Economia Solidária: Mulheres em Rede, que é uma estratégia emancipatória de erradicação da pobreza voltada para mulheres e jovens e que fomenta a organização de grupos produtivos.
Segundo Débora, as cooperativas estão buscando ampliar a sua atuação, fornecendo alimentação para empresas de maneira a garantir uma geração de renda permanente, atendendo eventos institucionais como coffee breaks e buffets.
Uma das bandeiras do movimento de economia solidária é a formação de redes por segmentos, Débora revela o sonho de que “um dia o projeto Ecofolia Solidária possa ser totalmente realizado com bens produzidos por redes da economia solidária, como a Rede de Agricultura Familiar e a Rede Sabor Natural do Sertão, que envolve organizações do semi-árido da Bahia, Pernambuco e Piauí”.
De acordo com ela, os desafios da economia solidária são ainda a comercialização dos produtos, os espaços para essa comercialização, a articulação de parceiros e a quantidade pra suprir grandes demandas. Para a superação desses problemas é importante perceber todo o circulo produtivo, tratar de questões educacionais e dos hábitos de consumo da população que sofre pressão da mídia. É preciso ainda superar a questão dos atravessadores, além da necessidade de ter um marco regulatório legislativo que atenda especificamente a organizações da economia solidária.
As redes de economia solidária são formadas por gente simples do povo, mas que superaram a condição de objeto do sistema e do capital e passaram a serem sujeitos de sua própria existência, do seu trabalho e da sua forma de vida, experimentando a igualdade como princípio, a dignidade como exemplo e a liberdade como meio e fim.
“A economia solidária é uma realidade”, afirma Débora Rodrigues, “na qual milhares de trabalhadoras e trabalhadores têm provado ser possível produzir e se organizar de forma autogestionária, e a cada dia surgem novas organizações que praticando cotidianamente provam que ‘uma outra economia acontece’”.

Texto: Marcos Grito
Fotos: Paulo Magalhães


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